Hoje o dia nasceu diferente. Nada de telefonemas na madrugada ou gritos no portão da minha casa. Até notei o sol, o dia não ficou nublado pelos olhos cheios d'água. Fui no cabeleireiro também, mas já não é no mesmo lugar, nem encontrei ele. Bem diferente daquele 11 de agosto de 2007...
Trocando e-mails na tarde tudo indicava que iríamos no encontrar no salão. Tínhamos marcado o mesmo horário. Eu com a Greice, ele com o Maurício. "É alma gêmea, né", como gostava de repetir mesmo com o fim do namoro. Já esperando pelas primeiras tesouradas ele falou que rasparia toda a cabeça. Eu pedi para ele deixar o mullets. Mudou de idéia. Entre uma conversa e outra, sorrisos, olhadinhas pelo espelho para ver como estavam ficando os cortes de cabelo. "Vocês estão muito amiguinhos pra serem ex-namorados, já vi onde isso vai dar", repetia minha cabeleireira. Eu só balançava a cabeça negativamente e ria. A noite seria na Kimik, e eu não via o que ele achava de tão legal naquele lugar, por isso declinei o convite. Falei que sairia com a Andressa e a Pree na Cidade Baixa, mas não dei muitos detalhes, e nem convidei. Ele também não se ofereceu. Nos despedimos desejando boa festa um ao outro.
Em casa combinei a logística da carona com meu irmão. Iria em duas festas de formatura, depois encontraria as gurias no Elo e ele seguiria pra outra festa com os amigos. A noite estava estranha, mas não ruim. Bebi. Não estava dirigindo e essa lei não era tão rígida. Liguei pro Diego, que disse me pegar em 5 minutos. Saí em seguida, sei que ele não gosta de esperar. Conversei com o segurança, esperei, bateu a fome, fui comer, e nada dele aparacer. O celular não atendia mais, apesar das minhas chamadas insistentes. Até que, finalmente, alguém atende o telefone. Mas não era voz conhecida. Tentei descobrir o que estava acontecendo. "Ele tá mal aqui no banheiro... esse teu irmão!", mas isso era impossível, tinha falado com ele pouco antes e parecia ótimo! Me dei conta de que aquilo era um assalto, só não sabia se ainda estavam com meu irmão. Entrei num táxi com a Andressa e, a caminho do apartamento dela, xinguei o cara de tudo quanto foi coisa. Nada bonito. O taxista que o diga. Iria dar um tempo por lá pra ver se o Diego mandava sinal de vida. Nem precisou. Já pagando a corrida recebo uma chamada a cobrar. "Fui assaltado, tô na Ipiranga e vou te buscar agora, onde tu tá?" Mas será que estava sozinho? Combinei no posto da Silva Só, o taxista ficaria me cuidando de longe. Quando o carro chegou senti um aperto no peito. Dei uma volta pra ver se estava sozinho mesmo, e entre soluços me mandou entrar logo no carro que estava frio. Da roupa só sobraram cueca e meias. Naquela hora meu instinto protetor me fez quase chorar. A cena, humilhante. Tirei o casaco e vesti no meu irmão menor. A procura por uma delegacia foi interrompida porque o Diego, depois da dar uma banda numa vila em Viamão, só queria ir pra casa. Tentei acalmá-lo, já na cama. Agradeci em silêncio por ter sido só um susto.
Não conseguia dormir. Já era manhã e meu celular não parava de tocar, um número estranho. Imaginei que fosse o assaltante, sei lá, até que ouvi alguém me chamar na rua. Vesti um casaco e fui até a janela espiar. Eram o Rodrigo e o Peu, com umas caras nada boas. Fui na rua ver o que queriam, e o que eles me disseram não sai da memória: "O Ju se acidentou na Freeway, tá no hospital". Na hora só pensei em quando ele teria juízo, mas não tive noção da gravidade da situação. Entrei para tomar um banho e iria para o Cristo Redentor com eles. Acordei meus pais e dei as notícias, nada agradáveis. Saí meio atônita. Não pude ver o Juliano aquele dia, só pai e mãe, e as notícias dos médicos não eram nada esperançosas. Lembro de chorar, muito, sentada na escadaria. Pensei no que poderia ter acontecido se eu estivesse junto. Me culpei. Rezei baixinho. Mal conseguia falar ao telefone quando me ligavam pra saber o que tinha acontecido. Fui pra casa a tardinha, sem forças já, inchada de tanto chorar, sem comer e sem dormir. No dia seguinte consegui entrar na UTI. Mas aquele não era o Juliano que eu conheci em 2004, pela internet. Não era o Neni ali, cheio de aparelhos. Era uma pessoa, desfigurada pela pancada, mas lutando pra se manter viva. A mesma luta tatuada na cintura. "Se tu lutas, tu conquistas."
E ele conquistou. Um ano depois está aí, firme e forte, fazendo de tudo para voltar a ficar 100%.
Parabéns Ju. Parabéns pela nova vida que tu ganhou naquele 11 de agosto.
É... hoje o dia nasceu bem diferente...